sexta-feira, 10 de abril de 2009

A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA

Já se considerou preliminarmente que o pensamento sociológico não somente é diverso em sua configuração, mas que também se divide em correntes teóricas e análises que se contrapõem.
Deste modo, não apenas temas ou problemas são analisados de forma diferente ou em perspectivas opostas, mas seria mesmo possível afirmar que se tratam de diferentes sociologias, pois elaboram distintas interpretações do que a vem a ser o grande fenômeno da sociedade.
Então, o que pode haver de pressupostos comuns entre tais correntes de pensamento, algumas das quais adiante estudadas, que permitiriam situá-las dentro de um mesmo campo de conhecimento, no caso, a Sociologia? A indispensável resposta a esta questão, aliás, é parte da resposta à mais usual indagação do princípio deste percurso: que é a Sociologia? Do que ela trata? Qual seu papel para o conhecimento humano?
O aspecto inicial a destacar é que, para a Sociologia, de modo geral, a análise do homem deriva do contexto da vida coletiva em que este se encontra inserido, ou seja, a própria sociedade. Dito de outra maneira e mais incisivamente, o próprio homem só pode constituir-se a partir da sociedade.
É claro que são homens que produzem suas sociedades, diante de determinadas condições estabelecidas. E, dependendo destas condições e das ações dos sujeitos sociais, os homens podem ser mais ou menos independentes e capazes de transformar suas sociedades. No entanto, se os homens podem produzir suas sociedades, só o podem porque são, antes, produzidos por elas. As sociedades só podem ser modificadas, portanto, se os homens, que as transformam, houverem aprendido a nelas viver, nelas reconhecerem-se, houverem minimamente incorporado seus modos de funcionamento, entendido as formas de conhecimento nelas presentes e por elas mesmas elaboradas.
É certo que este processo recíproco de dupla constituição do homem e sociedade não se realiza somente como uma anterioridade desta em relação àquele, sendo mais apropriado considerar este processo uma simultaneidade. Para a compreensão sociológica geral, contudo, a sociedade é anterior no sentido de que é uma condição para a formação da própria humanidade.
Nesta perspectiva, e isto deve ser devidamente realçado, por homem não se compreende uma espécie definida geneticamente, de cujas características resultaria sua consciência e comportamentos. A herança genética configura-se uma premissa para chegar-se à condição humana, seguramente indispensável, mas não uma propriedade suficiente. Também para a Sociologia – o que não seria substancialmente diferente para as demais disciplinas teóricas humanas -, o homem não poderia haver definido sua consciência e sua conduta, anteriormente à experiência social, por ser portador de uma “alma” ou “espírito” imaterial, como defenderiam as religiões, ou por uma suposta natureza “racional” essencial e prévia à existência corpórea, como sustentariam concepções que poderiam ser denominadas “metafísicas”.
E se o homem se caracteriza especificamente por sua razão ou consciência, e nisto se distingue de outras espécies, é porque esta capacidade de entendimento foi formada pela participação na sociedade. Sem a presença nesta, a própria condição humana não seria alcançada, pois não se chegaria a nenhum estado de consciência ou racionalidade, nem as condutas poderiam ser norteadas ou compreendidas por estas últimas. Não haveria, inclusive, como o homem alcançar a própria percepção de sua “humanidade” – esta, já, uma das tantas noções filosóficas construídas sobre a sua própria existência.
As formas de penar e agir humanas, não sendo um mero reflexo ou uma simples cópia das visões de mundo e práticas coletivas de uma sociedade, são, embora modificáveis, referidas, necessariamente, às formas de pensamento, ordenação e ação nela existentes, ou seja, em contextos coletivos mais extensos e mais antigos que os seus sujeitos tomados isoladamente.
A sociedade se apresenta, interfere e modifica o homem mesmo naquelas dimensões da vida que parecem mais naturais, produzindo o homem na medida em que este é inserido no meio social e aprende nele a viver.
Nenhuma idéia moral, por exemplo, que objetive, como é de sua natureza, orientar e julgar a validade de condutas dos indivíduos, conseguiria se formar na mente dos homens antes da influência dos ensinamentos dos que o antecedem e os cercam na vida social, fossem esses, também como exemplos, os pais, professores, irmãos, amigos, sacerdotes, juízes, mídias impressas ou eletrônicas ou quaisquer outras presenças pessoais ou impessoais que se encarregam da inserção e da preparação dos homens na vida social, num determinado tempo e espaço. A noção do que é certo ou errado como conduta e a sua consciência não é anterior e independente da sociedade, mas decorre do que determinada sociedade considera apropriado ou não para a sua existência.
O mesmo princípio do exemplo acima valeria para todos os tipos de práticas humanas. Assim, idéias e opções políticas, regras de etiqueta e de cuidados pessoais, a dedicação a crenças, o cultivo do gosto artístico, os hábitos alimentares, a realização de determinadas atividades esportivas ou a identidade com certos grupos, o aprendizado de formas de produzir e consumir economicamente, são todos estes também exemplos de práticas que caracterizam somente o homem, e nenhuma outra espécie, mas às quais nenhum homem chegaria senão pela influência, e não raro imposição, da sociedade.
Ocorre, contudo, que, a princípio, aqueles que entram no mundo social não são consultados a respeito de suas formas de pensar e agir já existentes, passando a elas a se submeterem. De início, ao menos, este processo funciona como um arbitrário, ou seja, como imposição daqueles que trazem, desde o nascimento, os seus indivíduos ao aprendizado social. Do contrário, fora do convívio e da preparação sociais, permaneceriam apenas seres naturais, sem qualquer consciência e identidade com qualquer forma de humanidade. Identidade, neste caso, caracteriza a condição em que um sujeito, submetido a um processo de configuração e influência social, por um lado passa a ser reconhecido pelo meio em que vive, por adquirir competências para nele operar, mas também formando uma auto-imagem perante este mundo.
A esse processo, pelo qual o ser natural que é substrato do homem se transforma efetivamente em ser humano, ou seja, se transforma de ser puramente natural em ser social, confere-se a denominação de socialização. Sem isto, não se formaria a consciência humana e os homens não adquiririam as capacidades que uma sociedade estabelece para dela pertencer, ao menos em parte, levando-se em conta que a integração a todos os meios de uma sociedade é um fenômeno cada vez mais raro e distante, dadas as suas crescentes complexidades.
Outro processo diretamente associado a este, sem o qual a própria socialização não se realizaria, é a educação. Nela estão contidas as atitudes sociais aqui reiteradas de preparação, aprendizado, configuração, condicionamento, influência, formação, como dimensões deste processo decisivo. Ela, a educação, é o meio que permite, organizada das mais diferentes formas, no tempo e espaço, não somente a passagem do ser natural ao social e ao homem, como, conjuntamente, a preservação da própria sociedade, seja conservando-a, seja modificando-a.
O processo de socialização, como já se mencionou, tende a ser mais absolutamente impositivo nas menores idades, e menos para as maiores idades, desde que estas já tenham passado por um processo mais extenso de preparação social, tendo aprendido a reconhecer o mundo em que vivem em seus hábitos, normas, gostos, modos de pensar e produzir, em suas relações de poder, entre outras dimensões. Esse processo é, contudo, incessante, efetivando-se enquanto o homem participa da vida social, e as possibilidades de alternativas quanto à conduta pessoal dependerá, em muito, da maior ou menor rigidez da própria socialização e da estrutura social em que esta repousa.
Em decorrência, se a condição humana variará, muito decisivamente, em função do nível de participação na sociedade proporcionado pelo processo de socialização, então as formas de educação e de distribuição dos seus ensinamentos a que estão submetidos os homens, definirão também em grande parte as possibilidades de sua existência num determinado universo social – sobre este ponto se retornará adiante em análise específica.
Outro pressuposto crescentemente incorporado à abordagem sociológica, este diretamente hoje compartilhado com a Antropologia e imediatamente vinculado à consideração precedente, é que os tipos humanos constituídos decorrem muito estreitamente dos tipos de sociedade a que pertencem. Esta visão nem sempre foi consensual na Sociologia, que no princípio importou uma visão universalista do homem, bem como uma visão naturalista. Hoje, contudo, ressalta-se o poder que as sociedades, pela socialização e suas formas educativas inerentes, detêm em produzir tipos humanos muito proximamente familiarizados com as formas assumidas pela própria sociedade.
A suposta originalidade que muitas vezes o homem isoladamente pretendeu, visão aliás muito enraizada nas culturas individualistas constituídas pela ocidentalização, cede lugar ao princípio da diversidade social, antes que da diversidade ou absoluta singularidade das pessoas.
Hoje se afigura como bastante evidente que as alternativas pessoais, quer dizer, a de poder constituir muitas e variáveis identidades, é maior em sociedades ditas complexas, aquelas que, por enquanto, poderíamos definir como formadas por estrutura diversificada e composta de muitas sociedades internas, mais ou menos distantes ou interpenetráveis. O contrário, ou seja, a constituição de identidades menos variáveis, deverá ocorrer em universos sociais menos mutantes, diversificados e menos dividido internamente.
Ser, entretanto, homem de uma sociedade ou de outra, ou contar com a possibilidade de um repertório mais ou menos variado de papéis e alternativas, depende decisivamente do meio em que se efetiva o processo de socialização. Neste caso, a visão antropológica ressalta, como se desenvolverá à frente, um processo de endoculturação.
A consciência e a conduta humanas tanto não são anteriores e indiferentes à presença formativa da sociedade sobre os homens, que diferentes arranjos sociais constituirão, historicamente, diferentes tipos de homens. Se os homens são produtores de relações, antes são produtos destas, mas de determinadas relações específicas. Estudar os homens sociologicamente, portanto, é estudar a natureza destas relações em suas formas, causas e sentidos. Aqui, trata-se não do estudo de uma genética biológica, mas de uma genética social 1, quer dizer, do processo de construção do homem em suas relações sociais, das quais se faz herdeiro e propagador. Desta maneira, como exemplo, um homem só poderia ser escravo numa sociedade que tenha instituído e/ou admitido a escravidão como uma forma de relação social, a qual deverá corresponder também uma consciência da aceitação da escravidão. Não poderia haver, em conseqüência, uma consciência da escravidão que inclinasse o homem a se auto-escravizar, se no universo social em que habita já não houvesse a escravidão.
Sem pretender-se estabelecer hierarquização de importância entre as áreas dos conhecimentos humanos, a Sociologia e suas pesquisas, na perspectiva do reconhecimento da diversidade das formações sociais, possibilitarão identificar raízes sociais profundas em problemas antes abordados somente na dimensão individual, fosse pela moral, religiões ou vertentes da psicologia e da medicina. Assim, condutas tidas como desviantes ou patológicas, não somente se referem a padrões de normalidade socialmente estabelecidos numa certa época e lugar, como mesmo muitas patologias podem ter sua origem em causas tipicamente sociais. É o que acontece quando tratamos de muitas formas de vício ou compulsões, ou com doenças recentes e muito freqüentes no nosso meio, como o stress ou a anorexia. Tratando-se de patologias classificáveis por sintomas orgânicos recorrentes, suas causas poderiam ser identificadas em determinados estilos de vida social. Não basta, portanto, afirmar-se que a sociedade é decisiva na formação do homem, mas que, seguindo-se a perspectiva da endoculturação e conseqüente diversidade cultural, a humanidade não é uma condição genérica, mas específica, também formada diferentemente no espaço e tempo, como expressões de diversas “humanidades”.
Repita-se que essas considerações introdutórias não supõem a idéia de acordo com a qual as sociedades não podem, essencialmente, ser modificadas pelos homens. Ao contrário, elas só podem ser mudadas justamente porque são compostas de homens, seres capazes de refletir, quer dizer, de distanciarem-se, compreenderem e voltarem-se sobre as suas próprias sociedades, sobre as realidades que os formaram. Só podem fazê-lo, todavia, a partir do conhecimento adquirido das formas de vida que a própria sociedade constitui e nas quais encontra-se inscrito; formas, estas, internalizadas com maior ou menor eficácia. E, portanto, a mudança humana só é extensa quando é social, superando a escala do indivíduo isolado, pois somente esta é capaz de reinventar consciências, estruturas e ações sociais, possibilitando também a constituição de outros tipos de homens.

6 comentários:

  1. É bom saber que em meio a uma existencia tão encantadora e ao mesmo tempo pertubadoramente sutil se pode encontrar pessoas que põe a prova nosso auto comprometimento, tornando nos questionadores e nos encorajando perante a complexidade torturante da incognita "quase" indecifravel que é a vida; nossas almas ja não estão mais tão enegrecidas pelo desepero da incompreensão da capacidade de se compreender que não se compreende o todo...

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  2. O homem é uma doença terminal e no final só restara uma contemplação vazia e de si na eternidade só restaram seus sonhos em preto e branco......

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  3. .................!!!!!!!!!!!!!..........!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  4. Amei o blog, amei de coração, sabes o quanto admiro e respeito o seu trabalho, mas o blog parece meio abandonado trabalhando muito né.............. mas torno dizer que amei.
    Aline Bezerra 1ºsem.História 2009

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