domingo, 10 de maio de 2009

O POSITIVISMO COMTEANO

A concepção de uma ciência específica da sociedade, a Sociologia, aparece com o Positivismo, assim exposto na obra de Auguste Comte (1798-1857), “Curso de Filosofia Positiva”.

O Positivismo é uma resposta intelectual às condições vividas pelas sociedades européias que sofriam os impactos da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. Essas sociedades assistiam ao desenvolvimento do capitalismo industrial, com a formação de suas classes fundamentais, a burguesia e o proletariado. Este capitalismo nascente, entretanto, contrariando os ideais de justiça e igualdade que haviam guiado, ideologicamente, a superação econômica e política da sociedade feudal, produzia novas e gritantes formas de desigualdade. O trabalho social não gozava de proteção e de regras de limitação ao seu uso. Situações de miséria e de precárias condições de habitação, com suas conseqüências sociais e individuais, também caracterizavam as novas cidades, sem recursos e infra-estrutura para absorverem as grandes migrações do campo.

Paralelamente a essas condições, mantinham muita força as idéias iluministas, com seus desdobramentos na formação de doutrinas revolucionárias. A um tempo, estas se nutriam dos conflitos sociais e os alimentavam, particularmente aqueles de natureza de classe que, então, tendiam à grande oposição entre burguesia e proletariado.

O Positivismo faria o diagnóstico da situação de desorganização por que passavam essas sociedades, atribuindo-a, igualmente, à propagação das idéias iluministas, que se pautavam pela defesa de princípios como os da igualdade, racionalidade e liberdade dos indivíduos e cidadãos. Ou seja, idéias críticas, no sentido de “negadoras” da sociedade anteriormente existente, mas também da nova sociedade industrial em formação.

Na definição de Positivismo, compreende-se o objetivo de “reorganização” que esta doutrina pretendia para uma sociedade sacudida por desequilíbrios econômico-sociais e conflitos políticos: o da instituição de um enfoque “positivo”, reconstrutor, em lugar de uma mentalidade “negativa”, que seria própria do Iluminismo. O pensamento positivista era simpático à pregação ideológica dos conservadores, que defendiam o retorno à “comunidade”, com a valorização de uma estabilidade baseada na forma hierárquica de organização, na família patriarcal tradicional e nos valores religiosos do catolicismo. Considerava, entretanto, que os progressos econômicos e científicos trazidos pelas duas grandes revoluções eram incontornáveis e desejáveis, diferentemente do pensamento conservador, de quem aproveitava o princípio da ordem hierárquica.

Para o Positivismo, as sociedades européias haviam sofrido uma mudança demasiado brusca de suas instituições, o que contrariaria a lógica própria e interna de seu desenvolvimento – assim como de qualquer outro organismo -, a do desenvolvimento evolutivo lento, sucessivo e progressivo. Essas sociedades, sem uma mentalidade que lhes desse coesão e desprovidas de fundamentos ideológicos e institucionais das sociedades anteriores, encontravam-se em estado de desequilíbrio, “patológico”.

Tratava-se, para Comte, de elaborar uma forma de pensamento capaz de restabelecer a ordem e o progresso, características que seriam normais e naturais a todas as sociedades. Inicialmente, o autor emprestava o nome de “física social” à nova ciência. Fazendo analogias a princípios da própria física, a ordem corresponderia à estática, e o progresso, à dinâmica.

O Positivismo sustentava que, de modo idêntico ao procedimento das ciências naturais e exatas, dever-se-ia conhecer os fenômenos formadores da realidade social, reconhecendo-se o que seriam as suas leis de funcionamento e evolução. A atribuição de um caráter científico ao saber social seria uma necessidade da evolução, também natural. Evolução, na perspectiva comteana, deveria ser compreendida um processo de aperfeiçoamento lento do organismo social, de passagens sucessivas de situações de menor para a maior complexidade. Esse caráter científico substituiria as explicações metafísicas e religiosas que ainda predominavam a respeito das sociedades, seguindo o curso das outras ciências, que também haviam logrado superar as explicações carentes de comprovação.

O conceito de Positivismo corresponde à afirmação de um conhecimento que possa ser exato e comprovado sobre a realidade social, tal como os conhecimentos extraídos pelas ciências da natureza. O Positivismo comteano, então, sustentava a necessidade de aplicação do Método Científico, já utilizado nestas ciências naturais, à compreensão da realidade social. E não poderia ser de outro modo, já que a sociedade seria parte de um organismo natural superior, requerendo o uso deste mesmo método, baseado na observação e análise sistemáticas, até sua certificação objetiva, ou seja, constatável de modo regular na realidade exterior aos indivíduos.

Dessa forma, o Positivismo, servindo-se da Sociologia como disciplina científica, buscaria a compreensão de fenômenos sociais, que seriam tipos específicos de fenômenos naturais, marcados por suas regularidade e constância. Deste modo, acontecimentos que fugissem a este padrão fugiriam ao funcionamento ordenado da natureza, devendo ser corrigidos. O papel da Sociologia seria o de uma espécie de “medicina social”, de caráter de restituição e retificação da ordem, configurando-se, no seu princípio, num saber de natureza conservadora.

Para Comte, o conhecimento da sociedade, organismo natural e em evolução, ou seja, em constante processo de progresso, aperfeiçoamento e complexidade, seria reduzido à constatação de regularidades presentes nos fenômenos sociais, que corresponderiam às suas partes funcionais e ajustadas, às suas instituições. A compreensão racional da sociedade estaria representada pela sua percepção científica convencional, reduzida à constatação de – presumíveis – regularidades atuantes nestes fenômenos sociais – ou instituições.

Resulta destes pressupostos que a sociedade seria um organismo, idéia tributária da visão cartesiana do mundo como uma ordem mecânica. Primeiramente, a sociedade só existiria se fosse uma ordem, ou seja, um conjunto em consenso e harmonia. E uma ordem orgânica, a interdependência de órgãos ou instituições de que os homens participariam, cada qual exercendo funções, quer dizer, papéis anteriormente prescritos. O homem, por sua vez, jamais seria a origem da sociedade ou protagonista de sua existência. Ao contrário, seria um resultado da natureza social e física pré-existentes, destituído de autonomia.

Em oposição às idéias iluministas, em geral, e ao liberalismo, em particular, os princípios da cidadania e das liberdades naturais dos homens seriam destrutivos da sociedade, pois fortaleceriam o egoísmo inerente à condição humana, em detrimento de sua natureza também altruísta. O homem não seria, nem deveria ser livre, mas cooperativo de uma ordem superior, que então lhe asseguraria a preservação individual e coletiva. O dever, por sua vez, deveria substituir o direito. Uma vez que todos obedecessem aos seus deveres sociais, tornar-se-ia dispensável a reivindicação de direitos.

O Positivismo, contudo, não seria defensor da igualdade, ao contrário. Todo organismo natural constituiria uma hierarquia e, portanto, o desempenho de funções mais e menos relevantes. Estas funções não deveriam ser substituídas, nem confundidas. Como paradigma, do mesmo modo que, na vida feudal, às elites morais e intelectuais composta dos senhores e do clero deveria ser confiada a direção do mundo social, e aos servos, classes laborais, somente o trabalho manual e material; na sociedade industrial moderna, de modo semelhante, a direção deveria ser atribuída aos industriais e aos cientistas, enquanto o trabalho, exclusivamente, aos proletários. A propriedade de bens seria também natural e desigual, assim como a dominação. O desenho do mundo social não seria a do equilíbrio entre iguais em poder e riqueza, mas de um universo harmônico de desiguais, com deveres de proteção mútua e repartição desigual da riqueza e propriedades. Imagem esta apropriada por Comte da ordem na vida feudal. Só que, neste caso, a favor da afirmação da sociedade industrial existente, que deveria ser confirmada e conservada pela Sociologia.

À Sociologia, que principia, na elaboração de Comte, conservadora, caberia o papel de descobrir as leis da natureza social e da sua evolução, atuando, tal qual a medicina, como antes mencionado, na correção das disfunções dos seus organismos, objetivando a perpetuação da ordem hierárquica da sociedade. Daí, também as características especificamente naturalista, organicista e evolucionista do Positivismo de Comte.

Essa intervenção corresponderia à evolução do que Comte denominava “Espírito Positivo”, que representaria a racionalidade humana. A idéia de evolução estaria concretamente relacionada à evolução para um Estado Positivo, em que a realidade poderia ser “empiricamente demonstrada”, que coincidiria com a Sociedade Industrial. Este seria o último estágio da evolução humana, pois completamente amparado no saber científico, o único saber verdadeiro, para Comte, em lugar da ilusão das crenças ou da metafísica.

Segundo essa visão evolucionista da história, o Espírito Humano progrediria segundo a “Lei dos Três Estágios”: O Estado “Teológico-Fictício”, nas formas do fetichismo, politeísmo e monoteísmo, em que se recorre à explicação pela imaginação do sobrenatural; o Estado “Metafísico Abstrato”, que explicaria os fenômenos por forças ocultas e imateriais, destinadas a realização de grandes ideais humanos; e o Estado “Positivo-Científico”, em que os fenômenos seriam explicados por leis empiricamente demonstradas, que dizer, demonstradas na própria realidade.

6 comentários:

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  2. Vocês acreditam na humanidade social,na sociedade como humanidade...
    Que tipo de progresso estamos obtendo atraves do tempo, que papel este progresso desenpenha no desnvolvimento humano em sua plenitude, sera que este progresso é significativo, sera que ele realmente existe......

    O ser humano é extremamente instavel, esta sempre equilibrado pela tenue linha do surto, dividido entre a loucura e a sanidade....

    Se alguem por ventura vier a ler, me respondam, pois é sob varios pontos de vista que se obtem uma refleção mais rica,
    Obrigada.
    Leticia Desoppa

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    1. Realmente, esse Comte nem viveu até hoje pra ver o quanto a humanidade continua insana. Se ele voltasse a viver pra ver, mudaria totalmente sua concepção. O homem é o mesmo só vai mudando as ideologias sócias com o passar do tempo. "Mudando" não necessariamente pra melhor.

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    2. BOA TARDE,
      CLARO QUE VC ESTÁ CORRETA,PELA COCEPÇÃO DE COMTE ,A HUMANIDADE NA SOCIEDADE DE HOJE NAO TEVEMOS MUDANÇAS AINDA SIM AS ESTRTURAS E ESTRATIFICÇÃO SOCIAL:ORGANIZA-SE PELO DOMINANTE E DOMINADO.

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  3. ACHO TAMBEM QUE TERIAMOS QUE APROFUNDAR MAIS ESSE PENSAMENTO ,POR SABERMOS QUE A ANTROPOLOGIA ESTA A NOSSO FAVOR POR NOS POSSIBILITAR ESTUDOS COMO:
    ANTROPOLOGIA FÌSICA ,ESTUDO DA VARIAÇAO FISIOLOGICA DA HUMANIDADE.
    ANTROPOLOGIA SOCIAL OU CULTURAL, ESTUDOS NO ASPECTO FAMILIAR, RECIGIOSO,POLÍTICO,ARTÍSTICO, EDUCACIONAL E JURÍDICO DA VIDA HUMANA.TENDO OUTROS ASPECTOS ANTROPOLOGICOS QUE NAO FOI CITADO.
    OBRIGA .

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  4. Comparando a sociedade descrita por Comte, com os dias atuais, não mudou muita coisa. Continuando a desigualdade social, o desequilíbrio econômico-social e conflitos políticos.

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