domingo, 24 de maio de 2009

O POSITIVISMO DURKHEIMIANO

Para Émile Durkheim, o principal autor positivista após Auguste Comte, conhecer a sociedade, conforme expõe em suas “Regras do Método Sociológico”, consiste em conhecer seus Fatos Sociais, em suas configurações próprias e em suas articulações.
Fatos Sociais não são, para Durkheim, quaisquer acontecimentos, mas são Fenômenos Sociais. Estes, aproveitando da concepção positivista já desenvolvida por Comte e seguindo os princípios metodológicos da ciência moderna, são definidos por Durkheim como acontecimentos marcados pela constância e regularidade. Sendo este um pressuposto, todavia, os fatos ou fenômenos sociais são de uma substância diferente daquela identificada por seu antecessor, como se demonstrará adiante.
Conceitualmente, adotando-se as definições literais de Durkheim, Fatos Sociais podem ser definidos como toda forma agir, pensar e sentir coletiva que pode ou é capaz de exercer, sobre os indivíduos, uma coerção exterior.
Na realidade prática, acontecimentos que agreguem estes atributos e se efetivem de modo constante e recorrente, podem ser identificados como normas, regras, hábitos, crenças, costumes, sentimentos e valores comuns.
Para o reconhecimento dos Fatos Sociais, é necessário que sejam reconhecidos os seguintes componentes, de modo simultâneo:
Coercitividade: os fatos sociais são impositivos, obrigando indivíduos a determinadas condutas, queiram eles ou não. É a sociedade que as impõem aos indivíduos. Imposição, neste caso, não quer significar, portanto, qualquer forma de arbítrio que se verifique.
Exterioridade: não são os fatos sociais originados nos indivíduos, mas fora deles. Os fatos sociais são exteriores porque, antes de tudo, são anteriores aos indivíduos, como toda sociedade em relação aos seus membros.
Independência: as sociedades não podem ser consideradas diferentes agregações de indivíduos, cada qual com suas características peculiares. Ao contrário, os indivíduos são passageiros, já as sociedades permanecem. E estas só podem se preservar porque, estando acima e fora dos indivíduos particulares, seus fatos são independentes destes seus membros, que são passageiros. Assim, as sociedades ficam e os indivíduos passam.
Generalidade: Os fatos sociais são gerais. Isto quer dizer que não são particulares ou pessoais, nem universais. Em primeiro lugar, significa afirmar que os fatos sociais são coletivos, ainda que possam se manifestar individualmente em momentos e situações diferentes em que se encontrem os indivíduos. Em segundo, não sendo os fatos sociais universais, significa que variam de sociedade para sociedade, de acordo com o tempo e o espaço – social – em que se realizam. Diferentemente do que defendia Comte, os fatos sociais, embora regulares, não seguem eternamente a mesma uniformidade, nem são completamente previsíveis e, então, não são universais. Os fatos sociais variam conforme tipos de sociedades determinadas. Quer dizer que cada sociedade tem suas regras, crenças, hábitos, costumes, sentimentos e valores coletivos próprios, que é, aliás, o que faz com que os tipos sociais sejam diferentes.
Objetividade: os fatos sociais, por serem exteriores aos indivíduos, constantes e regulares, podem se constituir em objetos de pleno entendimento e constatação, independentemente das inclinações subjetivas dos investigadores, tal como se pode fazer com os objetos de estudo das ciências naturais, os fenômenos naturais. Isto não quer dizer que os fatos sociais são naturais, mas sim que, seguindo o princípio metodológico do positivismo, podem ser compreendidos com o grau de certeza destes, porque podem, em razão daqueles atributos – constância e regularidade – serem inteiramente descritos em suas características específicas.
Fatos sociais, como para toda abordagem científica, seriam “coisas” ou dados, acontecimentos perfeitamente identificáveis.
Destas definições, outras conclusões sobre o campo de estudo da sociedade são extraídas pelo autor, correspondendo ao seu ponto de vista paradigmático dentro da teoria sociológica.
Em primeiro lugar, note-se que o empreendimento de delimitação de regras que assegurassem a pesquisa sociológica encontra-se estritamente dentro dos pressupostos do método positivista, o que faz com que o autor tenha se destacado como o principal dos teóricos quanto à consolidação deste paradigma de interpretação social. Sendo assim, “As Regras do Método Sociológico” expõem didaticamente os caminhos para a aplicação do método científico das ciências da natureza à sociedade, o que caracteriza o positivismo por definição.
A seguir, realce-se que, neste empreendimento, ao passo em que busca criar condições para a realização de análises com o máximo rigor metodológico, Durkheim acrescentou contribuições particulares que tanto diferem de apreciações antecedentes do positivismo, como adicionou novos conceitos e percepções sobre a análise sociológica, que favoreceriam a consolidação deste campo de estudo.
Entre essas contribuições encontra-se a distinção do caráter especificamente social que concerniria à abordagem sociológica. Quer Durkheim afirmar com isto que à Sociologia cabe o estudo de fenômenos coletivos, sendo estes criados, mantidos ou modificados pelos próprios homens. Não se poderia mais buscar explicações sobre acontecimentos sociais, a partir de características, presumivelmente, psíquicas ou biológicas. Para estas dimensões haveria a psicologia e a biologia, que, contudo, não poderiam explicar fatos relacionados às formas coletivas de viver criadas pelos homens.
Nessa esteira, compreender a sociedade significaria analisá-la como um conjunto de fatos sociais que a compõem. Fatos que, então, jamais seriam naturais, mas sim sociais, diferentemente do que fora sustentado, inclusive, por Comte. Social, para Comte, diria respeito ao caráter de representação coletiva dos fatos sociais, ou seja, estes seriam culturais, modos de ver sociais, que fariam sentido para determinadas sociedades, em determinado tempo e espaço. E, enquanto existentes, se imporiam de modo constante e regular.
Os fatos sociais também seriam fatos morais. A moral não é considerada, neste caso, uma disposição do indivíduo, mas uma necessidade de toda sociedade. Os fatos sociais seriam morais, justamente porque seriam impositivos. Assim são as crenças, as regras, as normas, os hábitos, os costumes, os sentimentos e valores comuns. O caráter de imposição é o que há de mais semelhante entre estes fatos. E, se não fosse assim, para Durkheim, as sociedades não se manteriam, já que estes fatos servem para manter a harmonia e a coesão sociais. A existência humana, diferentemente do que preconizaria um discurso de matriz iluminista, não decorreria de sua liberdade, mas ao contrário, da evidência de que o homem é resultado dos princípios que aprende por obrigação, não por opção. Neste caso, a preservação social e pessoal tomam o lugar da liberdade como elemento ideológico a ser valorizado. Por isto, para Durkheim, a sociedade é uma “entidade moral”, já que se compõem de um conjunto de fatos sociais.

Os fatos sociais, que em seu conjunto configuram a sociedade, não servem, não obstante, somente para preservá-la e reproduzi-la. Os fatos sociais, ao se imporem, revelam seu caráter educativo e, por sua vez, para Durkheim, este caráter educativo é necessariamente impositivo ou “moral”. O papel da educação que, na concepção do autor, é realizada de modo hierárquico, das gerações mais antigas sobre as mais novas – e nunca ao contrário – cumpre o papel de socialização impositiva, formando o ser social de acordo com as disposições da sociedade. Em conseqüência, a educação nunca contém função transformadora, mas só conservadora e reprodutora, porque serve para criar e manter sujeitos sociais de acordo com os fatos sociais existentes. Somente quando mudam as sociedades, por decisão coletiva destas, é que muda a educação, acompanhando as mudanças sociais, para fixá-las.
Em consonância com as visões de mundo cartesiana e comteana, para Durkheim a sociedade seria um corpo orgânico de funções. Nesta perspectiva, embora recusando uma abordagem naturalista, o chamado “funcionalismo” deste autor é herdeiro íntimo das concepções mecanicistas e organicistas do mundo. Desta feita, aprendemos, pela imposição dos fatos sociais, a desempenhar funções. Estas estão representadas pelas Instituições. E todo fato social é uma instituição, ou seja, torna regular e constante nossas condutas, num certo universo social. As instituições é que nos condicionam à determinadas condutas, sempre de sentido moral, incorporando este papel educativo, ao mesmo tempo que assegura o controle e a cooperação, ou solidariedade, entre os indivíduos.

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