sábado, 2 de maio de 2009

PRINCÍPIOS DO LIBERALISMO

O Liberalismo é a mais genuína doutrina do capitalismo ocidental e, até nossos dias, pode-se afirmar que preponderante. Mais que isto, o Liberalismo demonstra seu enorme vigor e profundidade na estruturação de relações sociais no processo em curso geralmente denominado globalização, justificando e orientando suas principais práticas econômicas e políticas. A força recente demonstrada pelo Liberalismo, ademais, não reside somente no fato de representar interesses e estratégias do capitalismo global, mas também na sua profunda incorporação em estilos de vida, identidades e aspirações dos indivíduos da contemporaneidade. Não somente estes fatos tornam obrigatório o estudo do Liberalismo e de suas influências, pela Sociologia, mas a evidência de que as principais correntes formadoras deste campo de conhecimento, necessariamente, com ele estabeleceram interlocução, e regra geral demarcando diferenças e oposições teóricas. O que se realça nesta abordagem, então, são os fundamentos teórico-ideológicos do Liberalismo “clássico”, de substrato econômico, que não deixaram de ser pressuposto, mesmo que parcialmente, tanto para as teorias e práticas liberais atuais, como para alternativas liberais de ênfase social e política.

O Liberalismo demonstra essa enorme resistência no tempo, certamente, pela vinculação muito estreita com as características mais típicas do modo de produção capitalista, especialmente daquelas relacionadas à emergência de sua forma industrial. Neste contexto, orientou decisivamente a elaboração, representada, sobretudo, pelos “economistas clássicos”, de uma “ciência econômica”, e cumpriu, como ainda hoje cumpre, o papel ideológico de legitimação e “naturalização” da economia capitalista industrial em expansão, como se esta viesse a corresponder a uma forma econômica historicamente necessária. Não sendo, também, a única doutrina a representar este modo de economia, o Liberalismo também se destacou como a principal força intelectual a favor da liberalização das relações de mercado contra os monopólios comerciais, que não raro contaram com a proteção do Absolutismo.

Outro que fator que colaborou para a legitimação social e política do Liberalismo, embora nem sempre com muita propriedade, foi a alusão às virtudes políticas e morais da liberdade individual, diretamente tributárias do ideário iluminista, tais como os da liberdade e dos direitos naturais do homem, as liberdades de associação e de pluralidade política, a liberdade de imprensa, além do constitucionalismo e do republicanismo. Pode-se observar, contudo, que se este ideário é capaz de despertar fascínio e fazer-se meio de exercício de poder, está longe de se configurar suficientemente na Modernidade, cumprindo literalmente o papel de ideologia, embora com enorme poder de estruturação das instituições e identidades próprias do mundo capitalista. Tampouco nem todos os autores do Liberalismo foram ou são integralmente defensores dos mencionados princípios. Muito ilustrativamente, alguns dos mais reconhecidos economistas liberais, clássicos ou contemporâneos, os desconsideraram ou os subsumiram sob as necessidades de reprodução do mercado e das formas de propriedade que lhe dão sustentação, bem como das relações desiguais que lhes dão suporte.

Dentre as definições mais características sobre a natureza e o sentido da sociedade, num sentido amplo, o Liberalismo clássico ampara sua visão de mundo em pressupostos de relativamente fácil entendimento.
O homem seria, por natureza, diferentemente do que propugnara a filosofia dominante até então, um ser econômico, necessariamente assentado numa dimensão individual. Deste modo, cada indivíduo, como produtor e responsável pela satisfação de suas necessidades, buscaria o bem-estar pessoal, consubstanciado na liberdade de aquisição de riquezas próprias, ou, traduzindo-se de outro modo, na constituição e manutenção da propriedade privada. Ontologicamente (quanto ao ser em si), o homem, portanto, estaria previamente definido por um individualismo possessivo, egoísta e utilitário sobre coisas e pessoas, aquisitivo e acumulador de riquezas. Nada disto, portanto, seria compreendido como defeito moral, mas como virtude, inclusive porque, segundo este primado, plenamente de acordo com a natureza humana. Em última instância, a felicidade, reduzida às possibilidades de ganhos materiais, seria um atributo da própria vontade individual. O sucesso ou insucesso seriam decorrências da iniciativa individual, não das desigualdades econômicas e das condições sociais pré-existentes, desde que fosse o homem livre. Esta concepção sugere tanto o “self made man”, a auto-realização, como o princípio da auto-responsabilização do homem pelo seu destino. Bem entendido, para esta concepção liberal, não seriam o egoísmo, a possessividade e o utilitarismo humanos, conseqüências do sistema de concorrência, senão que o contrário, este seria o resultado obrigatório daqueles atributos presumivelmente naturais. Em suma, cada qual cuidando do seu bem-estar próprio, explorando sua “livre iniciativa”, contribuiria para o bem-estar geral.

A sociedade se configuraria, então, como um conjunto de sujeitos econômicos, detentores da propriedade privada de seus bens e força de trabalho, considerados produtores e consumidores independentes, cuja racionalidade estaria orientada para a compra e venda de produtos e de si em um Mercado, cada qual munido de suas capacidades. O trabalho não seria concebido como atividade propriamente coletiva.

O Mercado se revestiria da condição de origem e finalidade de toda atividade social, neste caso, de toda relação entre indivíduos, constituindo-se como lugar da realização coletiva e de coordenação natural dos agentes econômicos privados. No Mercado se materializaria o poder de auto-regulação econômica entre os produtores e consumidores privados, funcionando, nos termos do exposto quanto à economia por Adam Smith, como uma “mão invisível”. Nestes termos, contudo, o Mercado se ergueria como a grande instituição orientadora e sancionadora das relações econômicas. Destas, por vez, produzir-se-ia também uma racionalidade harmonizadora perfeita das relações sociais e políticas, deste que ausentes intervenções indevidas de grupos ou do poder social constituído.

No Mercado repousaria a essência das relações sociais, de acordo com a natureza econômica do homem, uma vez que consistiria na “livre concorrência ou competição” entre agentes econômicos privados, dotados de “livre iniciativa”, em torno justamente do que haveria de mais essencial à vida humana, ou seja, a produção dos bens necessários à satisfação se suas necessidades, convertidos em mercadorias (valores de troca representados quantitativamente por dinheiro), tal como o homem. Este, medido pela abstração do dinheiro, realizaria o seu ser “ser” nas possibilidades do seu “ter”.

No plano político, o Estado, também como instituição vista como natural, justificaria sua existência no imperativo de resguardo da propriedade privada e, particularmente, das relações de concorrência econômica entre os agentes privados, já que esta constituiria o meio legítimo de acumulação e de repartição das riquezas privadas, devendo ser protegida pela lei. Não obstante, esta proteção, que redundaria na perda momentânea de alguns, em favor do correspondente ganho de outros, preservaria o mecanismo da concorrência como indutor de compensações progressivas, assegurando, em última instância, o ganho ampliado de todos. Assim, o fracasso no jogo competitivo seria também positivo ao crescimento econômico e à felicidade geral, uma vez que impediria a acomodação e impeliria à busca de novas explorações de mercado por parte dos malogrados.

A propriedade privada de bens e de trabalho, que possibilitasse e impulsionasse a ação econômica particular ou individual na forma de pessoas ou empresas na produção, consumo e troca, figuraria como um requisito indispensável ao postulado da busca natural pela auto-satisfação econômica. Liberada e defendida pelo Estado, a propriedade não somente asseguraria a liberdade do indivíduo, a condição do homem evitar a servidão e a escravidão, nos termos do que já fora defendido por John Locke, mas o princípio da contratualidade entre indivíduos como a forma de ordenação social por excelência, que preservaria tanto o bem-estar pessoal, como o coletivo.

Ao Estado caberia então um papel limitado, mas indispensável, nesta ordem, como instituição sempre coexistente à sociedade. Quanto mais se aproximasse de um tipo “puro” ou modelar o capitalismo e o Liberalismo que lhe representasse, mais deveria ser esta instituição governante um “Estado Mínimo”. Compreenda-se “mínimo” não como fraco, mas sim como resumido ao “mínimo” papel de todo Estado, qual seja, a manutenção das relações sociais existentes pelo uso da força física. Um “Estado policial”, em síntese. De acordo também com uma moldagem modelar, este Estado não poderia ser regulador, planejador ou interventor na economia, muito menos empreendedor, além de descartar o papel de provedor: a ele não caberia promover políticas sociais, como as de saúde, educação e previdência. O uso e o consumo destes bens sociais, também convertidos em mercadoria, deveria se efetivar de acordo com as escolhas e possibilidades dos homens livres para produzir e empreender. O Estado deveria se encarregar, tão somente, da ordem vigente, quer dizer, da propriedade privada e da livre concorrência.

Ao Estado caberia, por extensão, a conservação da propriedade privada e do princípio concorrencial da troca monetária, contra qualquer tipo de contestação de classes e injunção perturbadora desta dinâmica. Ao menos discursivamente, o Liberalismo se notabiliza pela recusa em adotar medidas que favoreçam grupos ou monopólios, devendo atuar precisamente para evitá-las, cerceando impedimentos à livre-concorrência. Mesmo que entre desiguais, o princípio do “lassaiz-faire” (livre fazer) deve ser resguardado, para que os homens possam livremente dispor de suas capacidades e progredir. Para os liberais, não é a livre concorrência entre indivíduos e empresas que gerariam desigualdades, mas as intervenções de grupos ou instituições que pudessem molestar esta liberdade.







Alguns dos Principais Clássicos Teóricos Liberais:

LOCKE, John. O Segundo Tratado do Governo Civil, 1689/90.

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações, 1776.

MALTHUS, Thomas. Ensaio Sobre o Princípio da População, 1798.

RICARDO, David. Princípio da Economia Política e da Taxação, 1817.

TOCQUEVILLE, Aléxis. O Antigo Regime e a Revolução, 1848.

HAYEK, Frederick von. O Caminho da Servidão, 1944.

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